Como eleger extremistas
Políticos de perfil radical têm tido sucesso em eleições para cargos executivos ao redor do mundo. Eles costumam despertar mais rejeição do que aprovação na população, mas isto pode funcionar muito bem em um sistema eleitoral onde a rejeição a candidatos não é considerada diretamente.
O Problema
Combinar opiniões individuais para determinar a opinião geral de um grupo não é uma tarefa simples. Em 1951, Kenneth Arrow definiu a base da Teoria da Escolha Social Moderna com seu Teorema da Impossibilidade, definindo as razões pelas quais não há sistema de votação perfeito.
Porém, alguns sistemas são extremamente imperfeitos, como é o caso do nosso sistema eleitoral — tecnicamente conhecido como Sistema Majoritário.
Consideremos um exemplo para entender os problemas deste tipo de sistema. Imagine uma eleição com 5 candidatos: Andreia, Beatriz, Carla, Daniela e Elisa. Espera-se que cada eleitor tenha uma ordem de preferência linear do tipo: “prefiro a Daniela à Beatriz à Carla à Andreia à Elisa”. Este eleitor estaria então apto a expressar sua preferência para qualquer par de candidatos:
- Você prefere a Daniela ou a Beatriz? Daniela.
- Você prefere a Beatriz ou a Elisa? Beatriz.
- …
Contudo, em um sistema de votação majoritário, este eleitor utilizaria seu voto para expressar que Daniela é sua candidata favorita e nada mais. Todo o restante de suas preferências é ignorado.
Agora, utilizaremos o código disponível aqui para simular uma eleição com 10 mil eleitores. A tabela abaixo mostra a preferência geral para cada par de candidatos:
Podemos notar que 6670 eleitores preferem Carla a Daniela. Portanto, podemos assumir que o grupo prefere Carla a Daniela. Sendo assim:
Carla > Daniela
Sabemos também que 6848 eleitores preferem Carla a Andreia, mas que 6627 preferem Andreia a Daniela. Assim:
Carla > Andreia > Daniela
Ao continuarmos aplicando esta lógica, este é o resultado final:
Carla > Elisa > Andreia > Beatriz > Daniela
Carla parece ser a melhor escolha para este grupo de eleitores.
Note que nem sempre é possível obter uma preferência coletiva deste modo. Leia mais sobre o paradoxo de preferências cíclicas.
Mas algo surpreendente acontece quando os eleitores simplesmente votam em seu candidato favorito:
- Beatriz: 2633 votos
- Daniela: 2614 votos
- Elisa: 2113 votos
- Carla: 2103 votos
- Andreia: 537 votos
E ao promover um segundo turno entre as duas candidatas mais votadas, obtemos o seguinte:
- Beatriz: 5043 votos
- Daniela: 4957 votos
Mesmo sendo as candidatas com maior rejeição, Beatriz e Daniela possuem um número de eleitores suficiente para chegar ao segundo turno e assim, torna-se possível que elas vençam a eleição.
Uma eleição com segundo turno pode significar eleger o segundo pior candidato.
Quais são as alternativas?
Como enfatizado anteriormente, nenhum sistema de votação é perfeito, todos estão sujeitos a distorções e paradoxos. Dentre os diversos sistemas à disposição, poucos são tão práticos quanto o Majoritário. É fácil notar, por exemplo, a dificuldade que os eleitores teriam em ordenar cada um dos candidatos, especialmente em eleições que frequentemente envolvem mais de uma dezena de opções.
Mas e se coletássemos apenas uma informação a mais dos eleitores? Qual deveria ser esta informação? Provavelmente, seria o voto de rejeição.
No exemplo apresentado acima, o eleitor que expressasse “prefiro a Daniela à Beatriz à Carla à Andreia à Elisa”, teria direito a dois votos:
- Um voto favorável ao seu candidato favorito: Daniela
- Um voto contrário ao seu candidato mais rejeitado: Elisa
Voltando aos dados da eleição simulada anteriormente, esta seria a situação de votos favoráveis e contrários de cada candidato:
- Elisa: 2113 votos favoráveis e 389 votos contrários
- Carla: 2103 votos favoráveis e 392 votos contrários
- Andreia: 537 votos favoráveis e 580 votos contrários
- Beatriz: 2633 votos favoráveis e 4292 votos contrários
- Daniela: 2614 votos favoráveis e 4347 votos contrários
Poderíamos então subtrair votos contrários de favoráveis e obteríamos a seguinte pontuação para cada candidato:
- Elisa: 1724 pontos
- Carla: 1711 pontos
- Andreia: -43 pontos
- Beatriz: -1659 pontos
- Daniela: -1733 pontos
E Elisa seria a vencedora. Não é a escolha perfeita, mas certamente satisfaz razoavelmente o eleitorado — que, lembremos, prefere Carla a Elisa a Andreia a Daniela a Beatriz.
Pode ser melhor adicionar um voto extra de rejeição no primeiro turno do que promover um segundo turno.
Quais seriam os possíveis problemas deste sistema de votação com rejeição?
Como nenhum sistema de votação é perfeito, é apropriado especular sobre potenciais problemas deste sistema alternativo.
É necessário promover um segundo turno?
O resultado obtido em turno único parece satisfatório no exemplo apresentado. No exemplo, a inversão entre Carla e Elisa apenas ocorreu pela paridade desta disputa: 50,09% dos eleitores preferem Carla a Elisa. Contudo, um segundo turno garantiria o princípio de majoritariedade e cumpriria, assim, este requisito constitucional.
É vantajoso ser um candidato extremamente desconhecido?
É possível argumentar que caso algum candidato seja esquecido pela população, ele teria alguns poucos votos favoráveis dos seus seguidores e quase nenhum voto contrário. Este efeito torna-se preocupante apenas quando todos os candidatos mais conhecidos possuem mais rejeição do que aprovação.
Voltemos ao nosso script para simular a adição de 5 candidatos (F, G, H, I e J) ao grupo inicial. Estes candidatos sequer foram nomeados porque são 100 vezes menos conhecidos do que o quinteto inicial. Por serem pouco conhecidos, uma rejeição nula lhes foi atribuída. Eis o resultado:
- Carla: 1716 pontos (~0.5 votos contrários para cada favorável)
- Elisa: 1632 pontos (~0.5 votos contrários para cada favorável)
- J: 90 pontos (0 voto contrário para cada favorável)
- G: 87 pontos (0 voto contrário para cada favorável)
- I: 83 pontos (0 voto contrário para cada favorável)
- F: 77 pontos (0 voto contrário para cada favorável)
- H: 72 pontos (0 voto contrário para cada favorável)
- J: 74 pontos (0 voto contrário para cada favorável)
- Andreia: -327 pontos (~4 votos contrários para cada favorável)
- Beatriz: -1620 pontos (~2 votos contrários para cada favorável)
- Daniela: -1700 pontos (~2 votos contrários para cada favorável)
Os candidatos classificados abaixo do quinteto desconhecido possuem altíssimos índices de rejeição. Apenas quando todos os candidatos famosos encontrassem mais rejeição do que aprovação na população é que os candidatos desconhecidos conseguiriam se destacar.
Neste caso extremo, talvez fosse realmente melhor sortear o cargo entre cidadãos aleatórios.